“Ainda há pouco recebi sua carta. Ponto número um: claro que lhe farei uma visita quando você quiser. Ponto número dois: o que significa o aviso de que durante algum tempo não vou receber notícias suas? Quero esclarecer que você não tem a menor obrigação de me escrever com data fixa, que não tem a menor obrigação de responder a minhas cartas na volta do correio nem nada parecido. Em minha opinião, não se trata de jogar uma carta depois da outra, como no truco. Não se trata de confundir correspondência com uma dívida bancária, embora de fato haja alguma ligação entre as duas coisas: as cartas são como letras que se recebem e se devem. Sempre se fica com um pouco de remorso por causa de um amigo a quem se deve uma carta, e nem sempre a alegria de recebê-las compensa a obrigação de respondê-las. Por outro lado, a correspondência é um gênero perverso: tem necessidade de distância e ausência para prosperar” (Ricardo Piglia – do livro “Respiração Artificial”)
Existe algo fascinante sobre as cartas. Podem até me chamar de velha. O encanto ao ver o esforço da letra cursiva sobre uma folha de papel é, todavia, inevitável. Outro atrativo é a relação atemporal estabelecida. Não importa se a resposta é redigida rapidamente, pois estamos sujeitos aos fatais atrasos dos correios. Serviço que, por sinal, só me trouxe contas bancárias ou ingressos de cinema obtidos em sorteios online nos últimos tempos.
Não tiro os créditos do habitual e-mail. É legal ter itens novos na caixa de entrada – como diria Martín, no filme Medianeras, não há nada mais deprimente que não ter e-mails novos para ler em pleno século XXI. A apropriação é, todavia, tão diferente. Não vejo tanto esforço nesse tipo de mensagem.
Durante a leitura de Respiração Artificial, de Ricardo Piglia, tive uma espécie de “insight” ao me deparar com a citação que abre o texto. No livro, as coisas acontecem em um tempo distante, um período em que, provavelmente, os e-mails nem existiam. Ou não tinham a representatividade que possuem hoje. O romance, por sinal, é alimentado por um conjunto de cartas.
O livro de Piglia é tributário a essa forma de comunicação, mas no formato ficcional. E não é composto unicamente por cartas. De imediato, lembrei-me dos muitos livros com correspondências que já foram lançados. Tenho curiosidade para lê-los para observar se autores por mim conhecidos diferem muito ao escreverem em um gênero mais pessoal.
Claro, é preciso evidenciar minha predileção por ficcionistas. O que torna a leitura das correspondências ainda mais interessante. Tamanho foi o susto, por exemplo, ao ler duas obras que contemplavam cartas escritas por Clarice Lispector. Não é ficção, mas a subjetividade fica impregnada nos escritos. Só para provar que alguns autores são bons até para escrever bilhetes.
Parte desse processo e não menos importantes, temos os envelopes. É bem mais prático colocar o conteúdo em um envelope qualquer, adereçar e enviar. Mas algumas pessoas preferem fazer arte mesmo tendo consciência de que o papel pode ser rasgado e descartado em poucos segundos.
Como as obras que reúnem correspondências, há livros com diversas ilustrações feitas em envelopes. É o caso de Floating Worlds: The Letters of Edward Gorey and Peter F. Neumeyer, lançado no ano passado. Outro artista que merece uma citação é Mark Powell. Com uma simples caneta Bic, ele desenha retratos bem realistas em envelopes antigos.
E não podemos nos esquecer dos selos. Se antigamente era comum colecioná-los, hoje em dia é preciso encontrar alguma apropriação diferente que os deixe mais interessantes. Molly Rausch que o diga. A artista desenvolveu um projeto que por vezes me lembra o projeto Dear Photograph. Inspirada pelas artes presentes nos selos, ela o imagina com o recorte de um cenário completo.
Não gosto de postagens sem imagens, o que me leva a concluir com algumas ilustrações da série PostageStampPainting, de Rausch.