Coração elétrico

Não é bom quando você abstrai a existência de um artista (por motivos de: informações demais e tempo de menos) e, por meio de um link aleatório do twitter o redescobre? E ainda constata que ele continua tão genial como na época em que o conheceu? Parece que foi ontem, mas deve fazer muito tempo pois ele já está até com livro publicado. Ando me prendendo a essas bobeiras para fugir de dias ruins e foi de uma felicidade imensa reencontrá-lo (quase) ao acaso.

Gabriel Pardal me foi apresentado por um amigo. Tomei um susto ao entrar no site oficial depois de tanto tempo. Ao que tudo indica o primeiro contato foi com o texto acima, mas não tenho certeza. Acho que na época não tinha nem domínio, só textos em algum servidor de blogs que se perdeu no meio das zilhões de links nos favoritos.

Agora tem vídeo, imagem, foto, música (!), um monte de coisa. Para revirar o bom e velho “ver postagens mais antigas” até perder a noção do tempo.

sometimes everything seems so oh I don’t know

Nunca achei que minha vida fosse um eterno scrolling da home do tumblr. Há muito tempo desisti de entender as intenções dessa rede social, até descobrir que, voilà, nunca houve propósito algum. Algumas pessoas acham que a vida uma reprodução das imagens bonitas encontradas por lá, que as fotos de meninas magras e bem vestidas são referências essenciais ou que a conexão entre imagens do universo (?) com frases profundas são uma das melhores coisas do mundo.

Para mim, sempre serviu como refúgio. Meu depósito de porcarias propriamente dito. Embora deteste essas imagens que não casam de forma alguma com o texto, confesso que já me rendi a alguns. Rebloguei mesmo. Adquiri uma afeição curiosa pelo limite branco tomado por frases típicas de tumblr – até descobrir que aquilo era, de fato, parte de uma exposição no Kiasma, um Museu de Arte Contemporânea na Finlândia.

Wall Pieces with 200 Letters, de Mikko Kuorinki reaproveitava as letras para jogar frases de autores como Joe Brainard e Mitch Hedberg na parede. Selecionei alguns para postar aqui. O restante, assim como outros trabalhos de Kuorinki, podem ser conferidos na página oficial (ou em uma rápida busca no tumblr).

Voyeurism

Pode causar estranhamento, mas existe algo na construção do texto que o torna primoroso independente da temática. As palavras em conjunto foram emprestadas de Valery Nugatov (com tradução de Bela Shayevich). Saiu aqui, mas encontrei no tumblr do Daniel Galera. Para ler e se sentir um verdadeiro voyeur.

“I want to fuck you
in front of
works of contemporary art
in front of installations
assemblages
readymades
performances
video art
at an art gallery
or at an art auction
while people call out lot numbers
and bang gavels
or at home on a loveseat
but it has to be under
above
or near
a work of contemporary art
a work of art by
damien hirst
jeff koons
ilya kabakov
oleg kulik
I want to fuck you
when you’re on your period
so that
the sprays of your menstrual blood
and our sweat
would get all over the works of contemporary art
completing them or almost becoming a part of them
so that our ecstatic cries would drown out
the artful sounds of contemporary art
so that our writhing bodies would block and overshadow
the works of contemporary art
while you and I fucked in front of them
almost becoming part of them or completing them
and then we would take pictures of them
and take pictures of ourselves in front of them
in a way becoming part of the works
of contemporary art
and contemporary art itself
after which we would fuck in front of them again
while someone would take pictures of us fucking
or make a video of us fucking
made a video of us fucking in front of a video
in which someone might be fucking someone else 
and recorded the ecstatic cries we make 
and then layered them over the sounds of the works
of contemporary art
among which can be heard the ecstatic cries
of some other people
and not only people but also animals
and of course other sounds as well 
that have become a part of the works of contemporary art
and then of course I would cum on the surrounding objects
of contemporary art
which would already have been sprayed
with someone else’s semen with artistic intent
and then the drops of my fresh semen would complete
and become part of that old already spoiled or
conversely preserved semen that has become a part
of the work of contemporary art
which in turn also became a part in a way
of contemporary art
and then you and I would experience
not only sexual satisfaction
but aesthetic pleasure from our proximity
to contemporary art
and art in general
we would look at each other afterwards
and ask one another
do you feel it
and reply to each other
yes
I feel it
do you understand it
yes
I understand it
do you see it
yes
I see it
do you hear it
yes I hear it
can you touch it
yes
I can touch it
are you happy
yes
I am happy
I’m happy too
I love contemporary art
I love contemporary art too
I love you
I love you too
will the crisis pass?
the crisis will pass soon
let’s fuck?
let’s
fuck”

Draw about love

If you're feeling sinister

Quando os escoceses da banda Belle and Sebastian lançaram o disco “Write about love”, eles pediram aos fãs para dar uma de vândalos. Só que de uma forma fofinha, como não poderia deixar de ser. A ideia era escrever o nome do disco – com giz ou qualquer outro material que não causasse danos – pelos lugares e fotografar a arte. Literalmente, escrever sobre amor, da forma mais simples possível. O resultado foi filtrado por uma tag e tem de tudo, desde pessoas que se limitaram a copiar a primeira capa que vazou antes da oficial, até os que aproveitaram a dádiva da criatividade e nos presentearam com resultados bem interessantes.

Não contentes, em território estrangeiro (sendo específica, nos Estados Unidos) eles fizeram mais uma proposta indecente. Na compra do álbum, a pessoa recebia um código que deveria ser utilizado no site oficial para direcionar a uma página onde o participante deveria escrever um texto com até 300 palavras sobre amor – mais uma jogada com o título. Stuart Murdoch passaria um dia na casa do vencedor para inspirar-se e escrever uma canção sobre o indivíduo de sorte.

Nada sei sobre o desenrolar desse concurso. Já faz um tempo, visto que o disco foi lançado em 2011 e, embora seja um álbum legal, é um trabalho esquecível. Por sinal, mesmo gostando da banda, há tempos eles não davam as caras nas minhas playlists. Até o dia em que a Larissa compartilhou um projeto da Aline, dona do 266.

No Draw About Love, ela iniciou um projeto que reúne artes feitas por ela e inspiradas em trechos das canções da banda. Gostei muito do que foi postado até agora e, a julgar pelo trabalho no 266, vem coisa boa por aí. Fica a dica para acompanhar daqui para frente.

Wrapped up in books

She's losing it

The nature of ambition

Para pensar um pouco. Em especial para quem também encara problemas de euforia e sempre acaba voltando para o ponto de partida. Esse blog já foi e voltou umas tantas vezes, mas Grant Snider já virou figura carimbada. Que posso fazer se ele sempre entende o meu medo de atropelar as coisas?

Música para acompanhar os pensamentos:

Dance like no one’s watching

Quinta-feira começou tão bem que fui forçada a roubar o título de uma comunidade do falecido orkut. Se a sequência de catástrofes começa logo pela manhã, é preciso sair em busca de coisas capazes de afastar temporariamente o azar e proporcionar alguma forma de divertimento. Tudo para suportar o dia até o fim da forma mais descontraída possível.

Em casa, coloco o player no shuffle e desafino junto. É um alívio cantarolar aquelas frases representativas como se elas fizessem milagres e acabassem com os problemas. Vez ou outra, também rola uma busca por videoclipes e trechos de filmes com músicas características.

Varia desde o clássico Singin’ in the Rain, do longa homônimo; até o adorado “Time Warp” do musical Rocky Horror Picture Show.

Como meu esforço para tentar animar uma pessoa hoje seria em vão, deixo-os com alguns cartazes da série Dancing Plague of 1518, de Niege Borges Alves. Basta seguir os passos (como se ninguém estivesse observando) e abstrair as coisas ruins por alguns minutos :)

Cartas e o registro do atemporal

“Ainda há pouco recebi sua carta. Ponto número um: claro que lhe farei uma visita quando você quiser. Ponto número dois: o que significa o aviso de que durante algum tempo não vou receber notícias suas? Quero esclarecer que você não tem a menor obrigação de me escrever com data fixa, que não tem a menor obrigação de responder a minhas cartas na volta do correio nem nada parecido. Em minha opinião, não se trata de jogar uma carta depois da outra, como no truco. Não se trata de confundir correspondência com uma dívida bancária, embora de fato haja alguma ligação entre as duas coisas: as cartas são como letras que se recebem e se devem. Sempre se fica com um pouco de remorso por causa de um amigo a quem se deve uma carta, e nem sempre a alegria de recebê-las compensa a obrigação de respondê-las. Por outro lado, a correspondência é um gênero perverso: tem necessidade de distância e ausência para prosperar(Ricardo Piglia – do livro “Respiração Artificial”)

Existe algo fascinante sobre as cartas. Podem até me chamar de velha. O encanto ao ver o esforço da letra cursiva sobre uma folha de papel é, todavia, inevitável. Outro atrativo é a relação atemporal estabelecida. Não importa se a resposta é redigida rapidamente, pois estamos sujeitos aos fatais atrasos dos correios. Serviço que, por sinal, só me trouxe contas bancárias ou ingressos de cinema obtidos em sorteios online nos últimos tempos.

Não tiro os créditos do habitual e-mail. É legal ter itens novos na caixa de entrada – como diria Martín, no filme Medianeras, não há nada mais deprimente que não ter e-mails novos para ler em pleno século XXI. A apropriação é, todavia, tão diferente. Não vejo tanto esforço nesse tipo de mensagem.

Durante a leitura de Respiração Artificial, de Ricardo Piglia, tive uma espécie de “insight” ao me deparar com a citação que abre o texto. No livro, as coisas acontecem em um tempo distante, um período em que, provavelmente, os e-mails nem existiam. Ou não tinham a representatividade que possuem hoje. O romance, por sinal, é alimentado por um conjunto de cartas.

O livro de Piglia é tributário a essa forma de comunicação, mas no formato ficcional. E não é composto unicamente por cartas. De imediato, lembrei-me dos muitos livros com correspondências que já foram lançados. Tenho curiosidade para lê-los para observar se autores por mim conhecidos diferem muito ao escreverem em um gênero mais pessoal.

Claro, é preciso evidenciar minha predileção por ficcionistas. O que torna a leitura das correspondências ainda mais interessante. Tamanho foi o susto, por exemplo, ao ler duas obras que contemplavam cartas escritas por Clarice Lispector. Não é ficção, mas a subjetividade fica impregnada nos escritos. Só para provar que alguns autores são bons até para escrever bilhetes.

Parte desse processo e não menos importantes, temos os envelopes. É bem mais prático colocar o conteúdo em um envelope qualquer, adereçar e enviar. Mas algumas pessoas preferem fazer arte mesmo tendo consciência de que o papel pode ser rasgado e descartado em poucos segundos.

Como as obras que reúnem correspondências, há livros com diversas ilustrações feitas em envelopes. É o caso de Floating Worlds: The Letters of Edward Gorey and Peter F. Neumeyer, lançado no ano passado. Outro artista que merece uma citação é Mark Powell. Com uma simples caneta Bic, ele desenha retratos bem realistas em envelopes antigos.

E não podemos nos esquecer dos selos. Se antigamente era comum colecioná-los, hoje em dia é preciso encontrar alguma apropriação diferente que os deixe mais interessantes. Molly Rausch que o diga. A artista desenvolveu um projeto que por vezes me lembra o projeto Dear Photograph. Inspirada pelas artes presentes nos selos, ela o imagina com o recorte de um cenário completo.

Não gosto de postagens sem imagens, o que me leva a concluir com algumas ilustrações da série PostageStampPainting, de Rausch.