Nocilla Experience, de Agustín Fernández Mallo

Nocilla Experience, de Agustín Fernández Mallo, é a segunda publicação da trilogia Nocilla. Prefiro não chamar de sequência, visto que não há conexão direta com seu predecessor. São livros independentes. O que os une é a forma como são montados – uma sequência de microcapítulos de caráter – ao menos à primeira vista – independente. Conhecemos personagens diferentes, porém com o mesmo teor que atribuiu as três obras à categoria de literatura zapping – fatos e pessoas que vão e voltam sem necessariamente estabelecer laços.

A excentricidade se acentua por meio de situações de aparente banalidade. Este volume acumula também mais recortes de outros trabalhos. El pop después del fin del pop, de Pablo Gil, é citado com frequência, agregando aspas de artistas como Beck, Thom Yorke e Björk a respeito da música como arte. Julio Cortázar aparece de modo inesperado – com um peso equivalente ao de Guevara em Dream. Trechos de O Jogo da Amarelinha são reproduzidos, e o autor interfere algumas cenas como um velho maluco e sua “Teoria das Bolas Abertas”. Francis Ford Coppola também dá as caras de vez em quando com o capitão Willard, de Apocalypse Now.

Sua primeira aparição é no terraço de Marc, lugar que mais parece uma verdadeira instalação – Marc distribui suas teorias em folhas de papel penduradas no varal. Ele consulta o Guia agrícola Philips 1968 e tenta demonstrar em termos matemáticos que “a solidão é uma propriedade, um estado, conatural aos seres humanos superiores”. Um disco de Sufjan Stevens, o fato de ter sido abandonado por Sandra e a amizade com Josecho – que conheceu na internet e parece partilhar o mesmo ideal – o ajudam a desenvolver sua teoria.

Sandra morava, como Marc, em Palma de Mallorca, na Espanha, e vai para Londres estudar a história dos dinossauros. Lá conhece Jota, um peculiar artista plástico oriundo de Ulan Urge, cidade situada no sudoeste da Rússia. A cidade abriga uma espécie de museu do ludo, encerrado em uma imensa construção de vidro – abarrotada de coisas relacionadas ao jogo e tendo como único sinal de “vida” um rádio esquecido, que tagarela notícias do mundo para ninguém ouvir.

Entre as muitas figuras esquisitas que habitam a obra, há também Ernesto, cujo projeto arquitetônico mais ambicioso é a Torre para Suicidas; um senhor que ocupa os primeiros quatro andares de um prédio para a criação de porcos; e um americano que abandona o marasmo se sua residência para atravessar os EUA e chegar ao Canadá – tudo isso a pé.

Por vezes temos a impressão de que Mallo, em um processo metalinguístico, embarca no ambicioso projeto transpoético de Josecho: “escrever” uma obra que se constroi a partir dos primeiros parágrafos de diversos clássicos. Uma espécie de Romance Frankenstein intitulado “Ajudando os enfermos”. Embora esteja esquematizado como o primeiro volume da série, Experience possui mais citações e menos histórias paralelas, o que sem querer intensifica a conexão entre elas e, consequentemente, torna a leitura mais fluida. Cada fragmento parece puxar o outro, despertando o anseio para saber qual será o próximo ato ousado de um personagem; ou medindo o inesperado teor de estranheza que pode surgir no relato seguinte.

Há quem veja isso como um aspecto ruim – em teoria, não há tanto material escrito pelo autor – tipo de estranhamento esperado perante o aspecto do projeto. Desde o início é notável seu caráter experimental – uma obra que se constrói sobre outra e nesse ato faz mais uma homenagem, e não mera reprodução. É aconselhável abrir mão de preconceitos literários e abraçar a loucura do escritor.

MALLO, Agustín Fernández. Nocilla Experience. Editora Companhia das Letras, 2013. Tradução: Joana Angélica d’Avila Melo. 248 págs. Preço sugerido: R$37,00.

Para ler ouvindo:

Livro lido para o Desafio Literário do Tigre no mês de janeiro. O tema era “Na Estante”. Para saber mais sobre o Desafio, leia os posts do blog com a hashtag #DLdoTigre ou acesse a fanpage.

Nocilla Dream, de Agustín Fernández Mallo

Declarar que há um quê de road movie em Nocilla Dream, romance de Agustín Fernández Mallo, é bem apropriado. Percorrer suas páginas é como fazer uma viagem mundo afora – seus personagens não se limitam a um único lugar, espalhando-se pelos Estados Unidos, Argentina, China, entre tantos outros. Muitos dos microcapítulos que compõem a obra parecem curtas histórias independentes, sem uma conexão aparente. E então vem a pergunta: qual é o sentido de tudo isso? Seu grande trunfo é exatamente esse – não se descabelar em uma busca por coerência.

A depender do ponto de vista, o livro pode ser visto como uma bagunça organizada, a julgar pelo caminho tomado perto de suas páginas finais, quando alguns elementos da história passam a se repetir – em especial o álamo próximo a Carson City, cheio de calçados pendurados em seus galhos, um “objeto” que se transforma em referência para vários personagens.

Mallo quer nos passar, por meio das letras, a sensação de sucumbir em meio ao excesso de informações tão característico dos nossos tempos. É, de fato, como apontado na orelha do livro, semelhante ao ato de abrir múltiplas abas no navegador e perder a noção do que te levou a uma página específica. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, em maio de 2013, ele declarou: “Acredito numa arte feita de mistura e de fragmentos, de cenas e de outras artes, porque assim é a vida contemporânea. Não lidamos com a linearidade nem com a homogeneidade em nosso dia a dia. Penso que a arte deve refletir isso”. De certa forma, Nocilla Dream nos leva a explorar a nossa realidade, a avaliá-la com distanciamento crítico. Ao comparar o homem a maquina, suscita também a questão da solidão, que está impregnada em boa parte dos fragmentos.

“Payne gostava de todos os hotéis pelo que cada andar possuía de estrato de solidão; lá no alto, no último estrato, a solidão alcança seu ponto máximo, mas também o alcançam a bela vista e o conforto. Uma solidão narcótica, acolhedora, que jamais te obriga a sair”

Em meio a essa chuva de dados o autor sempre encontra um elemento peculiar para prender a atenção do leitor – personagens esquisitos, situações peculiares e citações colhidas em sites (acrescidas da fonte online, inclusive) que confundem realidade e ficção. Em Nocilla Dream há o conceito de micronações, um homem em conflito ante o seu fascínio por Jorge Luis Borges (ele cria um templo para seu ídolo), um designer de tampas de bueiros (que se diz parte de um seleto grupo pertencente a mesma profissão), Kenny, um homem que após complicações com o passaporte decidiu por bem habitar na extensão de um aeroporto, um trabalhador que cria uma nova atividade esportiva – a Passagem a Ferro Radical. Até Che Guevara vira personagem ficcional ao forjar a própria morte – e aparecer rindo da sua imagem estampada em camisetas.

Para esclarecer a quem não sabe, Nocilla é uma pasta de avelã da Espanha, semelhante a Nutella. Também foi homenageada pelo grupo punk Siniestro Total, e inspirou Mallo a chamar sua trilogia de “Nocilla”. Nocilla Dream inaugura a “série”, composta também por Nocilla Experience – lançada recentemente no Brasil; e Nocilla Lab, ainda sem tradução.

É notável o apuro ao colher referências de outros escritores e de sua própria formação profissional – Mallo é físico e, ao menos até 2008, segundo matéria do El País, seguia seu trabalho conciliando o ofício de escritor como uma ocupação “extra”. Não é um livro que conquista de imediato, muitos podem estranhar o seu formato e torcer o nariz à proposta do autor. Ainda assim, vale como um exemplar digno de apreciação do que tem sido feito em termos de literatura contemporânea em língua espanhola.

MALLO, Agustín Fernández. Nocilla Dream. Editora Companhia das Letras, 2013. Tradução: Joana Angélica d’Avila Melo. 216 págs. Preço sugerido: R$35,00.

Filmes de Dezembro – 2013

Fiz a lista dos filmes assistidos em agosto e abandonei a brincadeira. Tentarei retomar aos poucos!

Jogos Vorazes: Em Chamas (The Hunger Games: Catching Fire, 2013, direção de Francis Lawrence)

Entre todas as porcarias feitas para o público jovem, Jogos Vorazes chamou minha atenção. A primeira adaptação da saga não me empolgou muito, mas queria saber qual era a da sequência e uau, que bela surpresa. Passa longe daquela coisa mastigada e preguiçosa que foi seu antecessor. Fiquei tão presa ao filme que terminei ansiosa para saber o que vai acontecer no próximo. Em Chamas é um filme maduro, bem finalizado, e com críticas bem definidas. Não simpatizo nem um pouco com a personagem central, Katniss, mas confesso que perdi um pouco da minha noia com ela. E fiz as pazes com a Jennifer Lawrence, que estava detestando depois daquela palhaçada de O Lado Bom da Vida.

A Música Nunca Parou (The Music Never Stopped, 2011, direção de Jim Kohlberg)

É triste quando ignoram um filme tão sensível e bacana. Foi estrear só agora, dois anos depois de seu lançamento, e não deve ficar muito tempo em cartaz. É inspirado no livro “O Último Hippie”, de Oliver Sacks. Conta a história de um homem que fugiu de casa e é encontrado depois de 20 anos, debilitado e com um tumor cerebral. Filho único de um casal bem simples, o que parece ser um caso irrecuperável transforma-se em um conto sobre esperança quando o pai descobre um artigo sobre musicoterapia. Uma forma bacana de explorar a relação entre pai e filho, com uma trilha sonora que vale cada segundo do filme.

O Menino e o Mundo (idem, 2013, direção de Alê Abreu)

Não se engane com a explosão de cores em tela. Embora seja uma história para confortar o coração, passei parte considerável da projeção com o coração meio angustiado ao perceber do que se tratava. É uma animação sobre a vida – e ela provoca esse desconforto natural, mesmo quando não tem essa intenção. Não há falas, só imagens e música – aliás, que trilha! Pegando carona no longa comentado anteriormente, creio que foi um dos principais destaques deste mês em termos de uso de música. O Menino é encantador em todos os seus momentos, em poucos segundos você se envolve em sua saga de descobertas pelo mundo. As ilustrações parecem feitas de giz de cera e gosto particularmente das representações da sociedade e dos lugares por meio de diversas colagens desconexas. Me chamem de piegas, mas deu vontade de mergulhar na tela.

Azul é a Cor Mais Quente (La vie d’Adèle, 2013, direção de Abdellatif Kechiche) 

Sou sensível? Sim. Assisti durante a TPM? Também. Vocês podem até dizer que isso não existe, mas sou influenciável pelo meu estado de espírito. Já detestei filmes e precisei rever porque não estava de bom humor quando assisti. Apliquei distanciamento crítico para concluir que afora toda a polêmica, gostei bastante. Kechiche abusa dos closes mesmo, talvez o filme se prolongue mais que o necessário (embora eu não tenha considerado tão extenso assim), mas não tiro da cabeça que o seu primor está no ato de exibir a transição de Adèle. Sua tentativa de crescer como pessoa é dolorosa, ela não sabe bem como lidar com suas inseguranças e incertezas. Não menos importante, as duas atrizes centrais merecem todos os créditos por sustentarem tão bem a personalidade de suas personagens.

Depois de Lúcia (Después de Lucía, 2012, direção de Michel Franco)

Nunca antes na história deste país senti tanto ódio enquanto assistia a um filme. Sei bem que não há limites para a maldade humana, mas em Depois de Lúcia ela atinge níveis absurdos. Alejandra acaba de mudar de cidade com o pai, na tentativa de iniciar uma nova vida após a morte de sua mãe. O pai sofre horrores com a perda, ela tenta sustentar a angústia para dar forças a ele. Na escola ela tenta se enturmar, até o dia em que viaja com um grupo de colegas e transa com um dos meninos. Ele filma a cena e vocês já imaginam o que acontece. Estamos o tempo todo falando sobre casos de bullying e de revenge porn, o que aumenta a importância desse longa. Tem que ter estômago para encarar as maldades desses “colegas” de Alejandra, e o final é surpreendente.

Amor Bandido (Mud, 2012, direção de Jeff Nichols)

Gostaria de declarar aqui todo o meu amor por Jeff Nichols. Dentro da minha humilde lista (vi pouca coisa em 2013), ele entrou no hall dos favoritos. Amor Bandido começa com ares de suspense e aos poucos desenvolve um drama delicado. O enredo é de teor denso e fala de problemas do coração, mas o faz com sutileza. Eu, que gosto dessas coisas exageradas que fazem chorar, acabei me envolvendo com essa abordagem. Matthew McConaughey está maravilhoso e só reforça o fato de que é um grande ator. Fiquei apaixonada por Tye Sheridan, que menino gracioso! Não dá para não se encantar ao vê-lo tomando as dores de Mud com uma naturalidade inesperada para alguém tão jovem. Uma pena que esse filme também tenha passado despercebido em meio a tantas estreias de fim de ano.

Muito Barulho por Nada (Much Ado About Nothing, 2012, direção de Joss Whedon)

Confesso que não estava muito animada com a proposta, mas tenho uma queda por filmes em preto e branco. É adaptação de um texto de Shakespeare e sim, o diretor adota o texto original. Entrei em pânico pensando que seria um amontoado de frases decoradas, mas felizmente isso não acontece. Gosto do tom teatral da adaptação, mas creio que teria funcionado melhor se não trouxessem a história para tempos atuais. A Anica já comentou sobre ele e destacou esse ponto. Ademais, deu saudade das madrugadas assistindo Buffy e Angel (me deixem, já fui jovem). E vocês vão me matar se eu destacar a trilha sonora mais uma vez?

Álbum de Família (August: Osage County, 2013, direção de John Wells)

Tenho uma irmã que nunca vai ao cinema e nem procura filmes “alternativos”, mas se você fala em filme de Oscar, ela até corre atrás. Por outro lado, eu tenho a maior preguiça do mundo para o gênero. A galera entendida de cinema que me perdoe. Sorte que nunca é tarde para se surpreender, e Álbum de Família entrou na lista de produções que merecem atenção. Meryl Streep continua maravilhosa. Ao mesmo tempo que eu me sentia condoída pelo seu desgosto com a vida, sentia vontade de meter a mão na cara da personagem. Aliás, esses mixed feelings são a melhor coisa do filme – o humor negro te faz rir e chorar na mesma sequência.

O Amor Não Tira Férias (The Holiday, 2006, direção de Nancy Meyers)

Assumo o atraso, nunca tinha assistido. Maior filme de sessão da tarde não há, mas estava ali dando sopa na minha animada última noite de 2013 e resolvi dar uma chance. Você já sabe como vai acabar nos primeiros minutos (sem contar que essa prática pôster-spoiler já virou moda), é bobinho, mas é uma boa pedida para passar o tempo. E tem o Jude Law, me desculpem, ainda gosto muito dele :P

Desafio Literário do Tigre 2014

Não queria mais reclamar de 2013, mas não posso negar que foi um desastre. Em termos literários, então, foi quase lamentável. Li coisas muito boas, é fato, e disso não posso reclamar. Só que essa lista escassa de leituras me deixa um tanto decepcionada, ainda mais para uma pessoa tão apaixonada por literatura.

Pensando nisso, resolvi encarar a empreitada de um desafio literário neste ano. O Desafio Literário do Tigre 2014 foi criado pela querida Tadsh, outra traça do mundo blogueiro (já aproveito para recomendar a leitura do blog dela!). Estou bem empolgada com a ideia. Não quero que seja uma “resolução de ano novo”, detesto essa ideia e já abri mão de fazer planos há muito tempo. Pensei que seria legal participar mais pela brincadeira, pela possibilidade de trocar opiniões sobre livros, pegar dicas e ainda fazer recomendações.

Vou postar a imagem com a lista de temas, mas quem quiser participar e saber mais detalhes pode clicar aqui!