Perdi as contas de quantas vezes definiram depressão como frescura, charminho de gente carente por atenção. Ouvi que era falta de ocupação, que o certo seria procurar coisas para me distrair ou fazer uma yoga básica, que deveria agradecer por estar viva e “com saúde”. “Tanta gente morrendo, vítimas de doenças terminais, e você não dão valor ao que tem”. Nós de fato agradecemos por ter saúde física, um emprego que pague as contas, mas ao mesmo tempo imploramos para que tudo pareça uma solução simples com a mesma facilidade com que nos pagam um salário merreca que nos sustenta cada mês.
Nós reconhecemos o que temos, não somos lá tão ingratas. Mas também não sabemos explicar o quão custoso é se movimentar para fora da cama, preparar um lanche e se enfiar dentro de uma roupa que não seja aquela camiseta velha. Isso nos dói nos ossos, falta vontade de viver. Algo tão doloroso que nos sentimos até cruéis ao exprimir, como pode uma pessoa não sentir vontade de viver enquanto tantas outras batalham para continuarem vivas?
Travamos discussões diárias com o próprio cérebro, que definha cada vez mais com o passar dos dias. Nós queremos enfiar todos esses dizeres goela abaixo. No lugar disso, terminamos por sentir repulsa e ódio da figura observada no espelho, pela incapacidade de dar um passo adiante, por ceder com tanta facilidade à fraqueza. Passamos a rejeitar até mesmo passeios com os amigos, porque o simples fato de conversar passa a ser uma tortura. Nada a ver com fazer corpo mole ou não se esforçar pelas pessoas que guardamos afeto. É algo mais forte, que foge do nosso poder – tipo tentar segurar água com as mãos. Você quer fazer um agrado, ver todos que estiveram ao seu lado em momentos de felicidade, mas tem algo lá no fundo que te guia e não dá o menor apoio. Dá vontade de se atirar na frente de um ônibus por puro ódio, porque de repente até o controle dos próprios pensamentos é perdido. Teu corpo para de te obedecer, a mente vira sua pior inimiga.
Seria lindo se fosse frescura e passasse com o simples ato de arranjar uma ocupação ou sair para correr. Por sinal, todas essas mensagens de apoio só nos deixam pior, porque passamos a sentir culpa por sermos tão injustas E ingratas com esse negócio chamado vida, que nos foi oferecido numa bandeja, great opportunity, e rejeitamos sem ao menos dar uma segunda chance. Ouvi relatos de muitas amigas/conhecidas que sentiam vergonha em admitir que começaram a fazer análise ou estão tomando antidepressivo, afinal, é uma vergonha assumir que tem depressão. Fato: há quem use isso como desculpa para ter atenção, nem tudo é perfeito e o mundo é uma zona desde os tempos em que seres humanos nem existiam. Receber um diagnóstico, todavia, é tão ruim quanto saber de uma doença terminal, me desculpe.
Perder as rédeas da própria mente é das coisas mais dolorosas, e a intolerância diária só torna as coisas mais difíceis. Não é tão difícil ter um pouco de tato ao encarar uma pessoa depressiva. Não precisa dar conselho e despejar mensagens motivacionais. Se você não tem paciência para essa “frescura”, corte laços, tome distância. Se está disposto a ajudar a pessoa a sair do buraco, ofereça apenas um abraço e seus ouvidos. Mostre-se disponível caso a gente precise, mas não pressione com soluções práticas.
Li dois textos bem interessantes sobre o tema e tentei colocar em poucas palavras – e sem uma vírgula de subjetividade – a minha experiência pessoal. Espero que o conteúdo sobre depressão não pare de crescer e faça com que as pessoas pensem um pouco mais antes de chamá-la de frescura ou coisa de gente fraca.