Ode à imaginação

“Let’’s do it/Let’’s fall in love””. A música de Ella Fitzgerald não poderia ser mais apropriada para pontuar incontáveis cenas de Meia-Noite em Paris, novo longa de Woody Allen. Afinal, estamos em Paris – a cidade Luz, estigmatizada como a capital do amor. Clichês à parte, um fato é inegável – o lugar foi berço de artistas consagrados em todos os campos das artes. Fator aproveitado de forma peculiar pelo diretor.

Gil (Owen Wilson), como um bom personagem central das películas de Woody Allen, está em crise. Ele precisa concluir um romance e está dividido entre a perspectiva pós-lançamento do livro e o trabalho quase frustrante de roteirista de comédias razoáveis. Durante uma viagem de negócios dos pais de Inez (Rachel McAdams), sua namorada, o casal aproveita para conhecer Paris.

O circunstancial encontro com um casal de amigos de Inez parece mais oportuno que o previsto ao “isolamento” inicial de Gil. Pois é após a meia-noite que a cidade se revela de forma deslumbrante, permitindo até mesmo um bate-papo sem compromisso com Hemingway. Ou mesmo uma troca de ideias sobre o romance em produção com Gertrude Stein.

Como não poderia deixar de ser, há sempre um espaço para críticas “suaves” do diretor. A mais irônica, sem dúvidas, é a reprodução do pedantismo do pseudo-intelectual Paul, interpretado por Michael Sheen, que entra em cena expondo todo o seu conhecimento sobre artes.

Meia-Noite em Paris apresenta um Woody Allen mais distante, repleto de elementos que procuram camuflar características recorrentes em suas produções. Os marcantes offs narrativos não aparecem, colaborando assim com a atmosfera de mundo surreal tão bem empregada. O leque de figuras conhecidas, mesmo em papeis secundários, abstrai essa ausência. Um ator como Adrien Brody, por exemplo, dispensa qualquer narração em uma hilária interpretação de Salvador Dali.

E mesmo com a propriedade ao selecionar papeis menores para grandes atores, o diretor também peca pelo excesso. Carla Bruni, apesar da beleza e da voz doce – atrativos para muitos – faz uma participação plenamente dispensável como guia turística.

O filme faz uma ode à imaginação. Inclui-se na lista de obras onde personagens se agarram às amarras de um mundo inexistente como fuga a qualquer forma de conflito.

O diferencial está na abordagem, capaz de conciliar a beleza e a riqueza cultural de uma cidade em um enredo envolvente. Felizmente, quando a circunstância está prestes a cair em mesmice, o diretor apela às suas clássicas quebras de perspectiva. A felicidade falha, sempre quando está prestes a ser obtida. Mas o tombo se dá com humor – afinal, para quê lamentar se é possível rir dos próprios infortúnios?

[Publicado também no Site de Cultura Geral da Faculdade Cásper Líbero]

Deixe um comentário